terça-feira, 29 de junho de 2010

Renata

Eu gostaria de ter ver sem as pupilas dilatadas. Gostaria de achar que o seu coração acelera por mim, não por qualquer pílula ou pó que se molda dentro de ti; Que adormece uma dor que eu ainda não sei se você carrega no peito.

Quando te conheci, estava perdida em mim, sentindo o álcool esterilizar minhas artérias; Desinfetando a podridão do meu corpo. E você parecia igualmente perdida. Bastaram meia dúzia de palavras sem sentido para que nossos lábios se encontrassem. E, se havia um “close” em nosso beijo, a câmera recuaria mostrando o cenário: um banheiro de mijo, vômito e cacos de espelho no chão.

Cambaleamos para fora dali. Um mundo de carrossel e você ao meu lado, gritando para uma banda que poderia, ou não, existir no palco.

Você me entregou algo e eu demorei a perceber o que era. Nos escondemos. O papel de seda se acomodava nos meus dedos, enquanto a droga se desfazia na minha mão. Enrolei o fumo e acendi o isqueiro.

No trago, a névoa saborosa do entorpecente. A fuga nos segundos, minutos, horas. O carrossel acelerava, mas o tempo já não existia. Nós podíamos ter beijado por poucos minutos ou longas horas. Não importa. Mas, quando percebi, uma de nós havia evaporado. Virado fumaça para envolver outro alguém? Não lembro.

Saí do clube sem saber onde eu morava ou como chegar em casa. E te encontrei. Memória fragmentada. Como o corte de um filme, só me lembro de estar com você, magicamente, negociando com traficantes, no início da madrugada. Ratos, esgoto, lixo. Um cheiro de desgraça pútrida. O cheiro que dominava as nossas ações. E eu acabei gastando tudo o que tinha ali, assim como você. Voltamos a pé, ziguezagueando por ruas desertas, frias, escuras.

Disse que te ligaria. E, assim, o fiz. Nos encontramos algumas vezes, sempre para anestesiar nossas existências e misturar nossos lábios. Um dia, em sua casa, perdemos os músculos, paralisamos. Adormecemos lado a lado.

Você pulou da cama, na mais alta madrugada, como se uma urgência desesperada puxasse o seu corpo pra longe dali. Despertei, mas me mantive imóvel. Lá estava você, aspirando insanidade pelas narinas, se fazendo rainha: Intocável, imortal, infalível.

Você voltou com a certeza de que eu seria sua. E estava certa. Línguas, mãos, coxa. Tudo que era seu me percorria, me decifrava e, às vezes, ao mesmo tempo.
Assim, a noite se iluminou e o dia trouxe a treva. A prova da decadência. Meu corpo exposto ao lado de alguém que eu mal conhecia. Não haviam palavras trocadas, não havia sentimento. Nos conectávamos pelos ímpetos lascivos de nosso estado etéreo. E só.

Te deixei na cama e voltei pra casa. E soube que era hora de voltar a ser o que era. Esquecer os anestésicos e encarar a dor.

Hoje te vi passar, quase um ano depois. Olhos caídos e sorriso débil.

E eu só queria te ver ser você mesma, pra saber o que acabei perdendo, no fim das contas...

3 comentários:

  1. A decadência tem um lirismo incrívelmente forte.

    Adorei tudo.

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  2. Acho que se ela lesse isso, ela ia se emocionar :D

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  3. eu acho q transformar a decadência em lirismo serve como consolo, suplantar a frustração. Muito Maria Antonieta, adoro! Esse também tá demais, pessoa!

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