quinta-feira, 29 de julho de 2010

Lilian (Capítulo 1)

Lilian foi um presente inesperado. Um presente filho da puta, daqueles que te alegra, te diverte e te faz sentir estúpida. Aliás, continua sendo.

Com ela, passei as melhores tardes, à beira da baía, olhando o pôr-do-sol, ou seus olhos azuis. Com ela, comecei a ouvir Dresden Dolls, porque ela tem a mesma mania chata que eu, de empurrar seu gosto musical pros amigos, porque é impossível alguém ser tão legal e não curtir as melhores músicas do mundo. Com ela eu aprendi o que é amar, e simplesmente amar, “no matter what”. Com ela percebi que as relações não acabam com um coração partido.

E o meu foi bem partido.

Tudo começou com um livro. 1984 – George Orwell. Ela fez a referência, eu pesquei. Depois disso, a UFF era nossa. Nossos papos, reflexões. Nosso desprezo pelas mentes medíocres disfarçadas em erudição.

E trocávamos textos: Ela e o erotismo; Eu e as letras de música. Comentávamos frase a frase. E eu arrumava desculpas pra chegar em casa 6h depois do que devia. Eram horas mágicas: Segredos, piadas, observações. Tudo era rodeado de uma aura dourada. Pra mim, era descobrir um mundo dentro de um mundo que eu já conhecia.

Era 2006 e nenhuma de nós ainda tinha tatuagem. Acho que ela ouviu falar do Mafueira*, não lembro se postumamente ou não. Ainda não havia Nuvens Negras**. Nada. E a gente só batia papo. Eu tinha um namorado. Ela também. Felipe e Hugo. Eu falava mal do meu, ela falava bem do dela (ou era o contrário?).

E teve um churrasco. Lilian tinha acabado de terminar. Eu também. Mas, antes, prova de História Medieval. Saí da prova, ainda em jejum, procurando bebida. No meio do vinho, da vodca e da cerveja, a encontrei.

E eu peguei a Courtneyzinha*** e pedi silêncio “Pra eu tocar uma música pros seus lindos olhos azuis”.

E eu não me lembro de muita coisa, depois de ter fumado um (foi a minha primeira vez), logo depois disso, mas lembro que ela estava ali, cuidando de mim. Lembro de rolar na grama com o Taiguara e de pegar o Pinga. Lembro de falar pra Flávia jogar água no meu cabelo e de surtar porque “eu não posso ficar feia”.

Mas, eu lembro mesmo foi de Lilian sentando no meu colo, naquelas mesinhas que a obra do campus pôs abaixo, e me beijando, assim, do nada. E eu achava q era sonho, que era viagem. E eu perguntei: “por quê?”. Ela respondeu: “como assim? Você pediu, depois de cantar ‘Miss You Love’ olhando pra mim”.

Fiquei confusa. Jurava que Lilian era hétero.

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*Mafueira = A banda que eu tinha até metade de 2006 (nunca chegou a fazer show)
**Nuvens Negras = Última banda que eu tive (fez alguns shows bem bacanas)
***Courtneyzinha = Meu violão de criança.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

(Uma outra) Renata

Ontem, você passou por mim, assim, meio sem querer. Eu curtia um som, dançava “Jet”. O cigarro em uma mão, um copo de margarita na outra. Nossos olhos se cruzaram enquanto o grito dominava o espaço da festa: “I Said, are u gonna be my girl?”.

Amigos em comum, danças com trocas de sorrisos e olhares. E eu entretida em sua aura de mulher mais velha, ciente do mundo e de sua própria feminilidade. Sua maquiagem forte contrastava com o alvo da sua pele, destacava traços incrivelmente lindos. Deixava o seu sorriso e olhar ainda mais sacanas. E eu estava fascinada por algo em você que berrava sexo. Algo que me atirava a você em um impulso inevitável.

Conversamos. Trocamos provocações. Cada milímetro de pele respondia ao que, até então, eram apenas palavras. A cabeça navegava em desejo; Procurava descobrir seu gosto, seu cheiro, sua textura. Desvendar suas curvas. E eu me esforçava para não fechar os olhos e viajar nas loucuras da minha mente. Era como se o seu olhar já fosse sexo, lambuzando o meu corpo em tesão descontrolado. Sentia algo pulsando levemente, entre as minhas pernas. Tentava disfarçar a necessidade que o meu corpo tinha pelos seus toques.

E a festa acabou. Saímos juntas do lugar. E você me chamou pra dormir em sua casa. Não havia espaço para não em minha boca. Eu era aceitação. Recepção. Receberia e doaria tudo. Trocaria ingenuidade ou malícia. A escolha era sua. Eu seria o que você quisesse que eu fosse.

Quando deitamos, você sussurrou algo que eu não entendi. O seu sorriso denunciou o intuito dessas palavras. E eu te beijei. Com a necessidade de quem tenta salvar a própria existência em um beijo; Com as mãos nervosas que derrapavam em suas curvas. E tudo era mescla de loucura e impulsos: “necessidade e vontade; necessidade e desejo”.

Você tirou a minha blusa, arranhou minha cintura, mordia e beijava os meus seios. E eu explorando o seu corpo ainda vestido, tentando controlar a explosão que se instaurara entre as minhas pernas.

E eu fui te despindo aos poucos. E fui delirando a cada pedaço de pele que brotava por além de suas roupas. Lindos sinais negros pelo seu corpo. E língua e mordidas percorrendo cada milímetro de você. E eu te via se entregando, jogando o rosto e o pescoço para trás; Gemendo como quem lê poesia, como quem canta uma canção.

E você se atirou em mim. E resolveu também me percorrer com a língua. Boca e mãos maravilhosas, que me transformaram em uma espécie de Deusa por algumas horas. Seios, barriga, virilha. Bunda. Tudo que era meu te pertencia. E você se embrenhando no meu corpo como quem quer fazer um ninho. Voracidade, loucura anormal. Você lambia a minha concavidade enquanto eu gemia loucamente, esperando os seus dedos dentro do meu corpo. E você me fez implorar por eles; Contorcida, desesperada, enlouquecida. Curtindo a tequila dos meus drinks em seus toques, em sua língua. Foi eu sentir o seu primeiro dedo explorar os espaços do meu corpo pra eu sentir que aquela noite duraria um infinito.

E lá estava você, me penetrando com fúria, jogando o meu corpo para dúzia de posições diferentes; Brincando com os meus orgasmos; Gemendo ao sentir meu corpo pulsar nos seus dedos. E eu cavalgava em você; Quicava nos seus dedos. E mordia o seu pescoço, me afundava nos seus seios, precisava de tudo. Meu corpo já não sabia ser só meu. Era uma extensão das delícias que você me proporcionava.

Era demais pra mim. Não dava pra passar mais um segundo sem sentir o gosto das suas entranhas. E retomei a busca de minha língua por toda a pele do seu corpo. Tantas sensações, tanta luxúria. Mergulhei em você com o desejo de morar ali. De sentir aquele gosto para sempre. Você gemia e seus gemidos só me faziam procurar por mais. Eu também queria tudo de você.

E os meus dedos foram tomando vida própria. Um, dois, três. E você linda, jogada na cama, mordendo os lábios. Uma boneca de pano erótica. E eu morando nos teus seios, penetrando os meus dedos em estocadas violentas. Apertando a sua bunda.

E você linda, perfeita. Mulher. E eu mudando ritmo e posições pra te aproveitar melhor. Girando os meus dedos, de leve, dentro de você. E me mantive te explorando feito louca, até você desabar em exaustão orgástica no meu seio. Eu só não podia parar de te beijar. E assim, fomos, percorrendo o início da manhã na nudez uma da outra. E só paramos quando já não existia mais força para continuar.

Eu acordei sem saber quem era. Onde estava. As dores do meu corpo me apontaram pra você, que dormia do meu lado. Fiquei deitada, observando os detalhes da sua pele. E levantei, me arrumei e saí. Sem adeus, sem bilhete, sem nada. Carregando, apenas, as dores de uma noite de prazer. E o seu nome, que lateja, quase como um gemido, em minha mente: Renata.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Sem nome

Tonturas de sono sem sono. Da falta de sono das curvas contorcidas no contorno do teu corpo que não vem mais consolar minhas noites solitárias

Então minhas mãos percorrem minha pele. Buscando espaços. Buscando o tato que se perdeu no seu último toque. E me vejo molhada na ausência de você. Procurando reencontrar a calma que perdi na falta do seu amor, do seu afeto. E me aparece linda, embrulhada em véu. Abençoando solenemente os meus pesadelos eróticos.

Lembro da sua textura, teu cheiro, teu gosto. Como se tudo em você já fosse parte de mim.

E eu procuro abrigo na ponta dos dedos, que rompem e rasgam a divindade líquida das entranhas das mais belas musas; Na saliva que passa a caminhar da minha língua para os detalhes íntimos de quem não significa nada.

Mas eu só lembro dos teus olhos e sorriso. Dos teus lábios, mesmo os tendo deixado pra trás, há tantos anos. Tento descobrir teu tato no meu corpo, nas minhas noites de desamor.

Busco as tuas curvas nos meus dentes, teu mamilo em minha boca.

Sugar, derreter, esquecer. Cansei de ser o seu pecado. A marca de sangue no teu peito que você teima em querer apagar. O rastro de mágoa na sua alma. Então mergulho na falta de pudores, na minha mácula eterna de algo que pulsa além de mim.

No meu tesão inesgotável que contorce as minhas entranhas; Que me faz sobreviver apesar dessa tristeza que me acompanha a cada dia. Todo o dia. Todos os dias.

O meu impulso me converte em suor e saliva; Beijos e toques. Mãos que deslizam além dos corpos: Procurando, buscando... Por dentro. Tentando encontrar uma alma que me esqueça você. Caçando um amor. Algo além da minha luxúria; Tentando tocar um coração com a ponta dos dedos, mas o que pulsa neles nunca passa de pecado. O pecado de ser você, e só você, quem dispara no meu peito.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Louise

Eu te peço perdão. Peço perdão por não ter sabido ser o que você merece, o que você precisa. Me condeno por não ter me apaixonado e por ter me deixado levar por tudo de bom que sempre fluiu de você pra mim; Por ter acreditado que bastaria você pra cicatrizar feridas abertas. Fui eu. Minha falta, minha dor, meu peso nas costas.

Eu peço desculpas por ter te tocado; Por ter te olhado pela primeira vez. Por ter passado as impurezas do meu passado pra você; Por te ter feito menos digna e mais vil; Por ter te feito agüentar o peso das lágrimas no rosto, quando não pude sustentar mais o teu sorriso. Eu pensei que, por você, valia arriscar tudo. Todas as dores e corações partidos. Pensei que, por você, eu construiria uma nova história, um novo caminho. Que eu encontraria a luz. Que voltaria a saber sentir.

E dói como o inferno saber que falhei com você e que falhei comigo mesma. Uma dor que me rasga a alma. Uma dor que aumenta quando os amigos perguntam por você; Quando digo que não há mais um “nós” e eles me carregam pra fogueira dos meus crimes. Porque eu me sinto queimar por dentro, em culpa, por ter acreditado que poderíamos ser o que não fomos; Por ter te dado esperanças; Por ter me deixado crescer por dentro de você.

Não, eu não estou feliz. Eu não consigo estar feliz pensando no que pude ter te causado.

Então eu penso em um Deus que eu não sei se existe. E eu peço a Ele que cuide de você, que te dê conforto, felicidade, amor. Um amor mais intenso que o brilho das estrelas; Um amor infinito. O amor que eu nunca soube ser pra você; Que eu não pude te dar.

Essas são as palavras que nunca soube como te entregar. Estas são as palavras que espero que não cheguem a você. Não espero o teu perdão pra aliviar as dores dos meus atos; Dos meus pecados. Não espero nada de você, assim como, eu não deveria der esperado de mim, em primeiro lugar.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Thaís - Capítulo 4 (Final)

Me isolei. O mundo, as pessoas, nada mais existia, só eu e a minha tristeza éramos reais. Eu acabava de ter me descoberto apaixonada por uma menina. Linda, perfeita, homofóbica. Eu não tinha medo de gostar de uma mulher em si, mas não podia permitir que ela reparasse o meu interesse e desaparecesse. Não. Era dor demais para encarar...

Então eu me fechei dentro de mim mesma. Textos nos cadernos, Death Metal no diskman. Ou Power Pop. Ou Grunge. Não importa. Vivia um caso de amor com a minha melancolia. O caso que eu deveria ter com Thaís.

E ela continuava caminhando numa corda bamba. Os passos firmes e lascivos. Não havia medo de cair. Ela me atraía como o chão atrai o suicida à beira do abismo. E eu não sabia se pulava. A adrenalina da queda livre de alguns milhares de metros para o clímax orgástico da queda. A morte. O corpo desfeito em pedaços, em mancha, em nada.
Eu não sabia que não tinha escolha. Eu não sabia que já estava caindo.

E eu me afastei do mundo, mas não pude deixá-la sozinha. Ainda mais quando soube que, a maior parte das meninas da escola já tinham se articulado para surrar Thaís. Desistiram por minha causa. Não sei como ou quando isso aconteceu, mas elas gostavam de mim. Sabiam que eu estaria ao lado dela para apanhar ou bater. Não importa. Eu era o seu escudo e ela, o verme que me comia por dentro; O vírus que derrubava as minhas defesas.

Então surgiram pessoas entre nós. Duas, três, quatro meninas. E quanto mais elas se aproximavam, mais ela se afastava. E doía a vê-la ir embora. Escoar, lentamente, como areia, por entre os dedos. Mas eu tinha que deixá-la ir. Era uma necessidade física. Não havia mais como sofrer por ela. Não havia como doer mais do que doía.

Incorporação. A cerimônia que nos dava as boas vindas à vida de normalistas Fumávamos na fila. Não haviam palavras. Era como se nossas presenças fossem o suficiente. Consolo, estímulo. Adeus. Em algum momento ela me disse algo sobre eu ter que escolher. Ou todos os amigos que tinha, ou ela. Ela me queria só pra si. Inteira, como antes. Não pude aceitar. Não poderia passar por tudo aquilo outra vez.

E ela se foi. Tive a sensação de vê-la chorando, mas não sei se era a minha lágrima que me fazia ver o mundo molhado.

E ela nunca mais atendeu as minhas ligações. E ela não me olhava mais os olhos. E ela pediu para mudar de turma. E fez outra amiga. Pouco mais de um mês depois, saiu da escola. Um dia, eu descia as escadas para o pátio e encontrei com a tal amiga. Raquel. Ela me parou e me entregou um cordão. Eu conhecia bem aquele pingente, havia dado para Thaís, logo quando a gente se conheceu. Ela me viu usando e pediu. E eu não sabia dizer não para si. Ela nunca havia tirado o cordão, desde então.

“A Thaís pediu pra te devolver”
“Onde ela está?, Ela tá bem?”
“Vai ficar. Está melhorando!”
“Pede pra ela atender quando eu ligar pra ela? Queria falar algumas coisas com ela.”
“Cara, fica longe da Thaís. Você não acha que já fez mal demais pra ela não?”
“Hã?”
“Ela se apaixonou por você e você virou as costas pra ela. Não, ela não precisa de mais isso na vida. Some, esquece. Tanto ela, quanto a mim. Se eu souber que você a ligou outra vez, você está fodida na minha mão. Não vai sobrar nada de você.”

Ela virou as costas e foi embora. Fiquei parada. A boca aberta, o coração disparado. O pingente caiu no chão, eu não peguei. Fui embora. Foi a última vez que ouvi falar de Thaís.

sábado, 3 de julho de 2010

Thaís - Capítulo 3

Não nos falamos naquele dia. Ela tentou. Eu não encontrei palavras para responder. Só ficamos paradas, na quadra, enquanto os meninos jogavam bola. Cigarros entre os dedos. Silêncio desconcertante.

Em casa, minha cabeça revivia aquela cena. A traição do que não era meu, mas deveria. Era eu a confidente, era eu a amiga. Em mim, ela confiava. Comigo, ela podia ser quem era. Sem tipo, sem máscaras. Sem aquela beleza mágica que transformava todo o resto em esboço. Rascunho do que, um dia, poderia vir a ser belo. Ele era a silhueta, mas não só ele. Quantos mais?

No dia seguinte, era como se nada tivesse acontecido. A encontrei com o noivo, na porta da escola. Ela nos apresentou. Agora ele era real. Tudo o que eu invejava, sem saber porque, estava alí. Parado à minha frente. “Toma conta dela pra mim, hein?”, ele disse. “Sempre!”. A resposta saltou da minha boca, enquanto virava as costas para atravessar a rua e entrar no colégio. Tudo pra não presenciar a despedida dela. O beijo que devia ser meu. Segundos depois, ela me seguiu correndo. Caminhamos lado a lado. Sorrimos. Fomos para a aula.

O pior de conhecer Thaís foi não saber o que acontecia comigo. O que me fazia pensar que ela era minha e só minha? Afinal, não é normal que as meninas tenham namorados?

Ela me falou sobre o Rodrigo, o rapaz negro, do dia anterior. Disse que tinha que ser segredo, por causa do noivo e que era só sexo; Que ela não resistia a um negro, com a pele mais lisa, menos pêlos, o pau maior e mais grosso. Disse que não ia acontecer mais. Não quando eu fosse à aula. Assumiu que a escola era um inferno sem mim e que ela precisava de algo que amenisasse a dor da minha ausência. Não disse nada, apenas sorri.

Os dias fluiam como as águas de um rio, fortes, constantes, sempre na mesma direção. Ela era a minha pequena obcessão, meu motivo de dormir e acordar. E, fora da escola, passava as minhas tardes no telefone, com ela, ou dormindo. Era só. Em sonho, ela estava comigo e, perdida em sono, as horas passavam mais rápido.

Era uma manhã de sexta feira, quando aconteceu. Foi ver Thaís se aproximar que o meu coração disparou. Nervoso, alucinado, em transe. As pupilas dilataram. Um calor adormeceu cada parte do meu corpo. Ela me abraçou e sentiu todo o pulsar no meu peito. Parou.

“Você tá bem?”
“To, por quê?”
“Seu coração...”
“Acho que era saudade. Ficou assim quando eu te vi”
“Não fala assim. Parece uma sapatão. Eu não posso ser amiga de uma sapatão”.

Dei um passo pra trás. Era isso? Era isso que eu era o tempo todo sem saber? Improvável, impossível. Foi quando reparei que fazia meses que não beijava ninguém, que não me interessava por ninguém. Thaís era o meu mundo. O meu pequeno faz-de-conta em que eu me escondi. E eu só não sabia como sair desta teia de mentiras e ilusões que eu havia criado. Estava afundada nisso. Ela era o meu tudo, o meu nada. O meu qualquer coisa. Mas algo era claro: Era hora de deixá-la ir.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Thaís - Capítulo 2

Passaram duas semanas desde que vi Thaís pela primeira vez. Era hora de agir. Causar a aproximação que me levaria mais próxima do que eu ainda não sabia. Passei por ela, mais de metro de cachos escondendo a minha vergonha de seguir em frente. E aquele andar gingado, de malandro que não tem medo de nada. A batida de “Everything ends”, no disk man, me dava a confiança que eu precisava. Parei. Estava de frente para ela, que fumava um free, com o olhar blasé no corredor do terceiro andar. Olhei como quem desafia. Como quem chama pra briga. Como quem não precisa da existência do outro. Pedi um trago. Ela tragou e jogou a fumaça pelo meu ombro esquerdo. Disse que não. Que eu não fumava, mas acabou cedendo depois de qualquer argumento irrelevante.

Ela pegou o maço no bolso da blusa e me estendeu um cigarro e o isqueiro. Ela tinha razão, eu não fumava, mas, enquanto nossos cigarros estivessem acesos, eu teria uma desculpa pra ficar ali. Ela falou algo sobre como se fumava, mas eu não consegui ouvir. Segurava o cigarro com o polegar e o indicador. Segurei o cigarro assim por mais de um ano, na realidade. Nos apresentamos ali e, sem perceber, nos tornamos uma dupla. Ela me sorriu. Foi a primeira vez que a vi sorrir naquelas duas semanas. Depois disso, não precisamos falar mais nada. Estava selado. Éramos companheiras. E terrivelmente diferentes. A patricinha puta e a roqueira magrela. Não havia como fugir. Era o que todos viam quando olhavam pra nós. Inclusive os nossos próprios olhos nos percebiam assim.

E eu me transformei numa sombra de Thaís, uma aprendiz de como se tornar mulher. Depilação, lápis de olho, calcinha sexy. Até o meu andar começou a mudar. Cigarros e aquela expressão de “não me importo com você”.

E o meu sonho de olhos abertos voltando, cada vez com mais detalhes. Agora, já podia sentir a textura da sua pele, seu cheiro, tudo, enquanto ela rasgava as entranhas no sexo pulsante da silhueta, Enquanto violava uma inocência que deveria existir, mas não estava ali.

Então, já éramos confidentes. Thaís sempre falava de sexo. Do seu noivo de trinta e poucos anos que a levava e buscava na escola todos os dias. Das escatologias sexuais que eles resolviam na cama, ou no banheiro, ou no banco de trás do Gol vermelho dele. Eu sentia cada palavra e escrevia sobre elas, como um diário de perversões que me ensinaria o que fazer quando a minha vez chegasse.

Ela me descrevia as paredes dos motéis, e as sensações que tinha quando se sentia penetrada. Assumiu que não conseguia lidar com o sexo, estando sóbria, quando reparei que ela cheirava, com certa freqüência, no banheiro feminino. E disse que começou a fumar mais para não deixar seu vício tão evidente. O cigarro reduzia as sensações desagradáveis do seu nariz. Eu deveria ter me preservado e deixado Thaís, mas já era tarde. Estava envolvida demais pra distinguir o certo do errado. A razão da emoção.

Eu havia faltado à aula por dois dias. Cheguei para o segundo tempo, numa quarta-feira. Literatura. Subi as escadas em busca da falta de fôlego que ela me proporcionava. Ela estava lá, no pedaço do corredor que já era nosso, porque ninguém passava por ali, nem mesmo os inspetores. Ela e um rapaz que eu não sabia o nome, misturados como se fossem um só. O negro da pele dele complementando as curvas brancas de Thaís. Formando um Yin-yang de luxúria e carne pulsante. De suor.

Ela me viu parada assistido ao seu próprio deleite e me viu partir. Não, Ela não se importava. Ela não disse palavra. Ignorou meu trauma. Não me seguiu pra longe dali.